segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

I Semana da Poesia

Deixando o Pago

Alcei a perna no pingo e saí sem rumo certo,
olhei o pampa deserto e o céu fincado no chão.
Troquei as rédeas de mão, mudei o pala de braço,
e vi a lua no espaço clareando todo o rincão.

E a trotezito no mais fui aumentando a distância,
deixar o rancho da infância coberto pela neblina...
Nunca pensei que minha sina fosse andar longe do pago
e trago na boca o amargo dum doce beijo de china.

Sempre gostei da morena: é a minha cor predileta.
Da carreira em cancha reta, dum truco numa carona,
dum churrasco de mamona na sombra do arvoredo
onde se oculta o segredo num teclado de cordeona.

Cruzo a última cancela do campo pro corredor
e sinto um perfume de flor que brotou na primavera.
À noite, linda que era, banhada pelo luar...
Tive ganas de chorar ao ver meu rancho tapera

Como é linda a liberdade sobre o lombo do cavalo
e ouvir o canto do galo anunciando a madrugada.
Dormir na beira da estrada, num sono largo e sereno:
e ver que o mundo é pequeno e que a vida não vale nada.

O pingo tranqueava largo na direção de um bolicho
onde se ouvia o cochicho de uma cordeona acordada.
Era linda a madrugada, a estrela d’alva saía
no rastro das três marias na volta grande da estrada.

Era um baile, um casamento? Quem sabe algum batizado
Eu não era convidado, mas tava ali de cruzada
Bolicho em beira de estrada sempre tem um índio vago,
cachaça pra tomar um trago, carpeta pra uma carteada.

Falam muito no destino. Até nem sei se acredito.
Eu fui criado solito, mas sempre bem prevenido
Índio do queixo torcido que se amansou na experiência,
eu vou voltar pra querência, lugar onde fui parido.

João da Cunha Vargas

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